PARA OS MEUS IRMÃOS!
CANDOMBLÉ não é teatro. Como jornalista e do
santo, não posso me calar. XIRÊ não é pagode, nem funk, nem happy rock.
Não é arte. Não é folclore. Não é espetáculo público. Não é misticismo.
Candomblé é contrição interior. É compromisso com o segredo e com o sagrado.
Candomblé é devoção aos Orixás, nascidos e criados no tempo de todas as origens
humanas.
Candomblé não é decoração de carnaval. E não
precisa de assessoria de imprensa, nem de redes sociais, nem de divulgação, nem
de gente que se diz do santo e se exibe pelo mundo a fora, trocando guias por
colares e búzios de ouro. O Candomblé não precisa estar na pauta dos programas
de televisão sem nenhum critério nem respeito.
Ninguém vê encenação de missa católica em teatros,
nem em circos. O Brasil é um país laico, como reza a Constituição. Mas os
demagogos religiosos nos assassinam. Temos inimigos, sim. Os nossos próprios
irmãos que rompem o pouco que sabem - porque no Candomblé ninguém sabe nada -,
e usam imagens, ritos, segredos, cânticos, num verdadeiro acinte imoral ao que
temos que guardar com mais solicitude e profundidade: os nossos ensinamentos e
preceitos sagrados. Nossas obrigações. Os nossos inimigos de fora, ferozes,
novos, (porque o Candomblé tem raiz original), cheios de espuma envenenada no
coração, divertem-se, com preconceitos, palavras tortas, nos humilhando,
invadindo, dissecando nossa origem. Batendo em nossa cara com a Bíblia
(fundamental para nos irmanar e não excluir) e sacolas de dízimos.
A Igreja Católica foi a pioneira em nos massacrar.
E mandava a polícia bater em nossas roças pra prender, sufocar, esculhambar,
destroçar nossos santificados endereços de terreiros. Os irmãos da modernidade
ou não sabem disso, ou se esquecem disso, quando revelam o mistério e o peso
religioso do XIRÊ. Segurem as suas vaidades. Candomblé, aprendi com minha mãe e
amiga Stella de Oxóssi, a maior líder espiritual deste país avacalhado e
insincero, de demonstrações mentirosas e hipócritas nas redes sociais. A
propósito de conseguir migalhas de autoridades, vejo ebômes, fundamentais,
enlevadas, inocentes, dançando para deputados, vereadores, e quem quer que
seja, insufladas pela necessidade ou pela desinformação. Humilham-se, porque
nada acontece, a não ser uma exibição que enche os olhos dos aproveitadores.
Não entrei no Candomblé porque paguei ou pedi. Não é assim no Candomblé. Entrei
por desígnios superiores. A minha menina de Nanã, definhava. Amarguei as
desgraças dos hospitais e prontos socorros. Ouvi coisas não reveladas. Vi minha
alma levantar-se.
Nadir sonhava e chorava. Os sonhos dela ajudaram no
endereço. E os meus irmãos de Salvador sabem do resto da história. Ouvi Xangô,
sem o saber ou conhecer. Não entrei no Candomblé porque Carybé, meu amigo, um
dia me disse, sem eu entender nada, ao procurá-lo para uma entrevista: “você
tem que procurar Stella. O Opô Afonjá é o seu lugar”. Somente hoje, 30 anos
depois, compreendo aquelas palavras emitidas do fundo de suas tintas e
pinturas. Dos seus olhos de homem de Oxóssi e presidente da Sociedade Cruz
Santa. Peço a todos os zeladores de terreiros, mães e pais de santo, ogans como
eu, ekedes, que se deem as mãos contra a vulgaridade que a cada dia, toca com
ignomínia nossa religião e expõe o nosso legado ancestral de maneira ridícula.
Xangô não sabe o que é twitter nem time line. A
podridão dos inimigos nos bafeja, quando nos doamos publicamente, como artistas
de um espetáculo que, na verdade, espetáculo não é. Nosso processo litúrgico
existe apenas dentro de nossas casas, barracões, camarinhas e corações. As
nossas cabeças não estão a prêmio, porque nelas moram os nossos Orixás. Tudo
isso aprendi com Stella, que é contra o sincretismo, a falta de moral que
derrota os nossos mistérios e o significado dos nossos sagrados. Por
Xangô, pelas folhas. Fernando Coelho Aladeí, do Ilê Axé Opô Afonjá. Neto de
Senhora e filho de Odé Kaiodé, Stella de Oxóssi. Todos nós filhos de Eugenia
Anna dos Santos, Obá Biyi (1869-1938). Axé. E só.