terça-feira, 22 de setembro de 2015

TODOS NÓS FILHOS DE EUGENIA ANNA DOS SANTOS, Ọbá Biyi (1869-1938), Por Fernando Coelho


PARA OS MEUS IRMÃOS!

CANDOMBLÉ não é teatro. Como jornalista e do santo, não posso me calar. XIRÊ não é pagode, nem funk, nem happy rock. Não é arte. Não é folclore. Não é espetáculo público. Não é misticismo. Candomblé é contrição interior. É compromisso com o segredo e com o sagrado. Candomblé é devoção aos Orixás, nascidos e criados no tempo de todas as origens humanas.


Candomblé não é decoração de carnaval. E não precisa de assessoria de imprensa, nem de redes sociais, nem de divulgação, nem de gente que se diz do santo e se exibe pelo mundo a fora, trocando guias por colares e búzios de ouro. O Candomblé não precisa estar na pauta dos programas de televisão sem nenhum critério nem respeito.

Ninguém vê encenação de missa católica em teatros, nem em circos. O Brasil é um país laico, como reza a Constituição. Mas os demagogos religiosos nos assassinam. Temos inimigos, sim. Os nossos próprios irmãos que rompem o pouco que sabem - porque no Candomblé ninguém sabe nada -, e usam imagens, ritos, segredos, cânticos, num verdadeiro acinte imoral ao que temos que guardar com mais solicitude e profundidade: os nossos ensinamentos e preceitos sagrados. Nossas obrigações. Os nossos inimigos de fora, ferozes, novos, (porque o Candomblé tem raiz original), cheios de espuma envenenada no coração, divertem-se, com preconceitos, palavras tortas, nos humilhando, invadindo, dissecando nossa origem. Batendo em nossa cara com a Bíblia (fundamental para nos irmanar e não excluir) e sacolas de dízimos.

A Igreja Católica foi a pioneira em nos massacrar. E mandava a polícia bater em nossas roças pra prender, sufocar, esculhambar, destroçar nossos santificados endereços de terreiros. Os irmãos da modernidade ou não sabem disso, ou se esquecem disso, quando revelam o mistério e o peso religioso do XIRÊ. Segurem as suas vaidades. Candomblé, aprendi com minha mãe e amiga Stella de Oxóssi, a maior líder espiritual deste país avacalhado e insincero, de demonstrações mentirosas e hipócritas nas redes sociais. A propósito de conseguir migalhas de autoridades, vejo ebômes, fundamentais, enlevadas, inocentes, dançando para deputados, vereadores, e quem quer que seja, insufladas pela necessidade ou pela desinformação. Humilham-se, porque nada acontece, a não ser uma exibição que enche os olhos dos aproveitadores. Não entrei no Candomblé porque paguei ou pedi. Não é assim no Candomblé. Entrei por desígnios superiores. A minha menina de Nanã, definhava. Amarguei as desgraças dos hospitais e prontos socorros. Ouvi coisas não reveladas. Vi minha alma levantar-se.

Nadir sonhava e chorava. Os sonhos dela ajudaram no endereço. E os meus irmãos de Salvador sabem do resto da história. Ouvi Xangô, sem o saber ou conhecer. Não entrei no Candomblé porque Carybé, meu amigo, um dia me disse, sem eu entender nada, ao procurá-lo para uma entrevista: “você tem que procurar Stella. O Opô Afonjá é o seu lugar”. Somente hoje, 30 anos depois, compreendo aquelas palavras emitidas do fundo de suas tintas e pinturas. Dos seus olhos de homem de Oxóssi e presidente da Sociedade Cruz Santa. Peço a todos os zeladores de terreiros, mães e pais de santo, ogans como eu, ekedes, que se deem as mãos contra a vulgaridade que a cada dia, toca com ignomínia nossa religião e expõe o nosso legado ancestral de maneira ridícula.

Xangô não sabe o que é twitter nem time line. A podridão dos inimigos nos bafeja, quando nos doamos publicamente, como artistas de um espetáculo que, na verdade, espetáculo não é. Nosso processo litúrgico existe apenas dentro de nossas casas, barracões, camarinhas e corações. As nossas cabeças não estão a prêmio, porque nelas moram os nossos Orixás. Tudo isso aprendi com Stella, que é contra o sincretismo, a falta de moral que derrota os nossos mistérios e o significado dos nossos sagrados. Por Xangô, pelas folhas. Fernando Coelho Aladeí, do Ilê Axé Opô Afonjá. Neto de Senhora e filho de Odé Kaiodé, Stella de Oxóssi. Todos nós filhos de Eugenia Anna dos Santos, Obá Biyi (1869-1938). Axé. E só.