terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Quilombos – Passado, Presente e Futuro, por Ivaldo Paixão.

Quilombo se origina de Kilombo, que em língua quimbundo significa povoação ou arraial.O conceito de quilombo designa o território onde se organizavam negros que, trazidos com a colonização portuguesa, insurgiam contra a situação de escravidão.

Outra definição aceita pelo movimento negro, diz que é uma organização econômica, social e política criada pelos escravos brasileiros para lutar contra a escravidão, resistindo às tentativas de reescravizá-los, atacando povoados ,engenhos Etc… . A história registra o ano de 1559 como a primeira revolta e fuga de cativos, o que contraria a versão criada de que o negro escravizado aceitou com resignação o cativeiro, sendo que os quilombos como forma de luta e resistência contra a escravidão devem ser considerados uma criação original do negro escravizado no Brasil. Os quilombos também eram denominados de mocambos(que se origina de mukambu e em quimbundo significa telhado de palha) durante todo o tempo de escravidão, foi uma constante a proliferação de quilombos, sendo que o maior e mais importante foi o Quilombo de Palmares.

                  A Lei da Terra promulgada pelo Império em 1850 proibia que os descendentes de quilombolas assumissem a posse das áreas onde viviam.Só em 1988 a Constituição revogou a proibição, tornando responsabilidade da União assegurar a posse da terra aos remanescentes de quilombolas.Porém ,só em 1999 o dispositivo constitucional foi regulamentado. O artigo 215 parágrafo 1 da Constituição Federal  diz: “ O Estado deverá proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” e no seu parágrafo 5° inciso “V” “Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”. O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.Decreto n° 4887 de 20/11/2003: “ Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades do quilombo de que trata o Art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Decreto 5051/2004 “O Brasil se compromete a executar e cumprir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT sobre povos indígenas e tribais”. Portaria n°6 de 01 de março de 2004 da Fundação Cultural  Palmares que institui o cadastro geral de remanescentes  das comunidades de quilombos, nomeando-as de :”Terra de Preto”, “Mocambos”, “ Comunidades Negras” e “ Quilombos”. Atendendo apelo dos movimentos sociais o Brasil ratificou em junho de 2002 através do Decreto Legislativo n°143 assinado pelo presidente do senado a Convenção 169 da OIT de junho de 1989, que reconhece como critério fundamental os elementos de auto-identificação étnica, além disso o Artigo 14 assevera o seguinte: “ Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Esse direito de retorno se estende sobre um sem número de situações de comunidades quilombolas no Maranhão, Mato Grosso, Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, que foram compulsoriamente deslocadas de suas terras por projetos agro-pecuários, projetos de plantio de florestas homogêneas(Pinus, Eucalipto Etc…) projetos de mineração, projetos de construção de hidrelétricas e de bases militares e agora numa trajetória de recuperação de terras que foram usurpadas e tidas como perdidas. O PFL atual DEM entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADIN tentando impugnar o uso de desapropriação na efetivação no Artigo 68, porém a Advocacia Geral da União através do Ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa, manisfestou-se contrária a ADIN em 12/08/2004 classificando a impugnação de ” genérica e sem o cotejo analítico entre as normas constitucionais e as atacadas”, o que inviabilizou a ação.

               Remanescente de quilombo, segundo a Associação Brasileira de Antropologia: “ Contemporaneamente, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou da comprovação biológica,também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar.Desse modo comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade”.

                 A questão quilombola , através do Comitê Gestor, é coordenada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial- SEPPIR, porém envolve 21 órgãos do governo federal.Apesar da forte cobrança de entidades que compõe o movimento negro entre as quais a Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas- CONAO, a titularização das 2228 áreas levantadas(quilombos) pelo centro de cartografia aplicada e informação geográfica da Universidade de Brasília caminham lentamente pois em 18 anos de vigência do artigo 68 da CF só foram tituladas 58 áreas, beneficiando 114 comunidades quilombolas, sendo que de Janeiro de 2003 a agosto de 2006, ou seja, em quase todo o governo Lula só foram tituladas três áreas de terras de comunidades remanescentes de quilombos.O programa Brasil Quilombola só utilizou no biênio 2004/2006 32,38% da verba orçada,situação que tende a repetir-se pois até junho de 2007 apenas 6,39% do orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para o presente ano foi usado.Em face desta situação é que o movimento negro está lutando pela criação junto à AGU, da Comissão de Assuntos dos Remanescentes de Quilombo.É bom lembrar que a primeira titularização ocorreu em 1995 no município de Oriximiná no estado do Pará e beneficiou a comunidade quilombola de Boa Vista. Os governos estaduais só querem titularizar áreas onde não existam conflitos e o governo Lula  lamentavelmente se posiciona também desta maneira, entretanto entidades e pessoas cujos  interesses são contrários ao reconhecimento e à titulação das comunidades quilombolas tiveram uma atuação ágil, tanto dentro quanto fora da burocracia governamental. Temos ainda o problema dos quilombos urbanos que são vítimas da especulação imobiliária e de autoridades descomprometidas com a causa quilombola, até mesmo por racismo. Acrescente-se a isso tudo que há em alguns setores da sociedade um certo revigoramento de uma antiga idéia do Estado- Nação que olha com desconfiança os direitos étnicos, como se constituíssem uma ameaça a segurança nacional. A ampliação do projeto Calha Norte e as posições nacionalistas face ao aluguel de base de Alcântara e a homologação /demarcação das terras indígenas na serra da Raposa do Sol fez ampliar este temor, porém sabemos e a história nos ensina que as diversas comunidades negras foram e são agentes de integração nacional, inclusive segundo o nosso saudoso Darci Ribeiro, na consolidação do idioma português em nosso imenso território. Finalmente, é notório, que os quilombolas ajudam a preservar o meio ambiente, devido a intimidade com a terra e o compromisso com seus ancestrais.

*Capitão de Longo Curso

sábado, 21 de janeiro de 2017

“O Brasil vive o mito da igualdade racial,” afirma Ivaldo Paixão

Na Carta de Lisboa, os trabalhistas previam justiça social aos negros. “Foi com suas energias que se construiu a nacionalidade brasileira”, diz o documento. Desde então, o PDT contabiliza inúmeras conquistas na luta pela igualdade racial, capitaneado por seu Movimento Negro.

Ex-diretor da Fundação Cultural Palmares e com vasto currículo no enfrentamento ao racismo, Ivaldo Paixão hoje é presidente do Movimento Negro do PDT. Em entrevista à página eletrônica do PDT, Paixão conta um pouco da luta e das conquistas alcançadas pelo grupo que lidera.
Paixão é capitão de Longo Curso da Marinha Mercante. Foi diretor da Fundação Cultural Palmares / Ministério da Cultura, coordenador de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial do estado do Ceará, presidente da Associação de Aposentados da Petrobras no estado do Ceará e presidente da Federação de Entidades do Terceiro Setor do estado do Ceará.
O senhor tem um grande histórico no enfrentamento ao racismo. Como chegou ao Movimento Negro do PDT?
Ivaldo Paixão – Em 1994, fui convidado pessoalmente por Brizola, Abdias Nascimento e Dr. Edialeda Salgado para fundar o Movimento Negro no Ceará. Foi uma honra. De lá pra cá, cumpri vários cargos no Movimento. Fui vice-presidente e, desde o falecimento da nossa presidente Edialeda, e em 2010, assumi a presidência.
Qual a forma de atuação do Movimento para cumprir o que estabelece a Carta de Lisboa?
Paixão – Nós desenvolvemos políticas públicas de igualdade racial e enfrentamento ao racismo. Isso é feito criando movimentos nos Estados e capacitando nossa militância. A Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, por exemplo, está disponibilizando módulos gratuitos para capacitação em diversas linguagens de combate ao racismo. Terão vídeos também. O conteúdo foi todo desenvolvido por acadêmicos militantes.
Participamos da gestão de políticas de igualdade social em todos os Estados. Eu era gestor no Ceará. A gestora em Florianópolis, hoje, é do Movimento. Essa forte atuação vem da nossa experiência e pioneirismo partidário na luta pela igualdade racial.
Em um país como o Brasil, ainda carregado de racismo, é difícil levar essa bandeira adiante?
Paixão – O Brasil vive o mito da democracia racial. Muitas pessoas são contra as ações afirmativas para negros porque acreditam nesse mito. A realidade é outra. Enquanto nos presídios a maioria é negra, nas grandes empresas são poucos os negros nos cargos executivos. Mas isso vem mudando, principalmente depois de 2002, na conferência de Durban, quando o Brasil assumiu que o racismo existia no país e precisava ser combatido. Pela natureza do PDT, pelo apoio que tive do mestre Brizola e, hoje, do nosso presidente Lupi, o trabalho do Movimento Negro pôde se desenvolver muito bem e gerar resultado.
Onde é possível ver os resultados da luta do Movimento Negro do PDT?
Paixão – O resultado de nossa luta é visível em vários setores da sociedade e vem de longa data. Participamos da criação de cotas nas universidades e no serviço público. Foi uma gestão pedetista que implantou o primeiro sistema de cotas do país, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Sem contar tudo o que fizemos durante o governo Brizola, com nomeação de três secretários negros e, pela primeira vez na história do país, uma secretária negra, Dra. Edialeda. Teve também a criação da 1° Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras, e por aí vai.
O Movimento Negro do PDT teve sorte de ter um ícone internacional na luta das questões raciais como o senador Abdias. Brizola também foi fundamental, incluindo o combate à desigualdade racial em seus programas, tanto de governo quando do partido. Ali colocamos em prática o nosso discurso. Hoje, me preocupo com esse governo interino. Tenho visto o esvaziamento das secretarias de igualdade social do Ministério da Cultura e isso é um retrocesso. Mas é esse tipo de coisa que nos motiva e dá força para nos reestruturarmos e enfrentarmos o processo que está acontecendo.